sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Monólogo de Dois - Parte III

Calma, Priscila. Muita calma nessa hora! Mesmo que muitos discordem desta máxima, escolher a roupa certa é, sim, definitivo pra que algum relacionamento vá pra frente, em especial no dia do primeiro encontro. É, amiga: vai ser essa semana, cara! Ui, que nervoso bom esse... Sabe aquela vontade que dá de sair correndo pelas ruas, beijando e rodando todo mundo? E aquela outra de sair dançando pela casa de calcinha e sutiã? Ah, que delícia! Muito bem, mas agora se concentra, porque a decisão é importante.

Uhm, bem, temos aqui, então, um armário, de três portas, com cerca de oito gavetas, e uns três cabideiros, também. É matematicamente impossível – mesmo que eu não creia muito nessas exatidões numéricas – que eu não tenha uma roupa que me agrade aqui, nesse mundo de panos, paetês e all-stars. Pensa positivo e abre a cabeça pra novas possibilidades de combinações, mulher. Tenta juntar aquela blusa baratinha com aquela calça super cara... Que tal? Vejamos...

Tudo bem: temos, daquele amontoado de roupas, algumas peças que são plausíveis de serem usadas no dia D. Bom, levemos em consideração que é um bar, né? Muitas pessoas saem de seus respectivos trabalhos e vão direto pra lá, ou seja, não precisa se arrumar demais. Se bem que, se eu for casual, ele nem vai me notar, no meio daquela multidão de gravatas afrouxadas e pastas deixadas de lado. Ah, vamos inovar, vamos ousar! Isso é moda: reinvenção!

[...]

Tá. Ok: essa história de moda reinventora só dá certa quando você tem um estilista italiano do seu lado, sentado na sua cama, dando opinião sobre as suas combinações! Tentar inovar só me deixa ridícula e esquisita, mas nunca fashion. E pára com essa falsa esperança de que é possível, dependendo do seu senso de moda, mudar a aparência, e se mostrar renovada, tá? O máximo que você vai conseguir é ficar igual a um bolo de casamentos, cheia de camadas e sobreposições, e mais gorda do que nunca.

[...]

Ah, gostei dessa aqui: blusa básica, mas não nula. Calça jeans, mas não surrada. Sandália alta, mas não uma de passista de escola de samba. Ah, mas que coisa apagadinha, hein? Vamos dar um up nisso daqui, querida! [...] Até que essas pulseiras caíram bem, né? E esse cabelo, preso atrás, mas relaxado e jogado, ao mesmo tempo, está passando auto-controle e tranqüilidade – como se ele fosse reparar nisso-.

Péssima. Péssimo! Essa história de ir pelo básico deixa tudo muito... Básico! Não chama a atenção, tira o brilho que eu já não tenho, enfim, não dá para ser. Só me resta uma opção, né? Ir às compras! Afinal, eu trabalho para quê? É pra me sentir bem e bonita mesmo! Depois eu penso nas contas da vida...

Vamos? Então, vamos!

Mas com que roupa eu vou ao shopping?

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Monólogo de Dois - Parte II

Não me diga que eu não esperei. Esperei, sim, mas nada daquele bendito telefone tocar. E, pra completar, a tecnologia se encarrega de criar ainda mais agonias com fios: celular, orkut, MSN, e outras cadeiras elétricas psicológicas que já são meu quase-segundo lar. E liguei, sim.

Tudo bem que, àquela altura do campeonato, eu não estava nem um pouco nervosa ou apreensiva, até ele atender o telefone. Aí todo auto-controle foi-se embora, porque foi empurrado pela mudez: e agora? Nos dois segundos entre o "alô?" dele, e o meu "alô!", eu consegui pensar em quase toda a nossa história que ainda não aconteceu. Genial! Como é possível uma mulher chegar a esse ponto? Ficar imaginando uma situação avançada que ainda nem começou? Mas é muita falta do que fazer, ein? Ou falta do que viver? E, não: assistir ao Globo Repórter, Priscila, não é uma forma de vida aceitável!

Menina, se concentra, por favor? Você estava pensando em quê, mesmo? Ah, dos dois segundos que pareceram dois milênios, né? E não é que pareceram? Todas as piadas convenientes que eu tinha preparado sumiram, magicamente, junto com aquele suado auto-controle. A minha risada socal (é: todo mundo tem uma gargalhada que só usa da frente de familiares, dos mais íntimos, ou vendo uma comédia, sozinho, se engasgando com a pipoca logo depois); então, aquela risada pro mundo virou quase uma crise de risos de gás hélio com onda de maconha, a cada vírgula que ele, tecnologicamente, falava.

E não podemos nos esquecer, em hipótese alguma, de que fui eu quem ligou, né? Vamos combinar que, mesmo estando no século XXI e toda aquela baboseira de "mulher-ex-sexo-frágil" já tendo virado senso comum (e argumento batido de redação), uma mulher tomar a iniciativa, pra muitos, quer dizer uma destas duas coisas: ou é desesperada, e não viu outra opção, ou é piranha mermo. E vamos combinar, de novo, que é melhor ser piranha. A piranha, pelo menos, se diverte sempre, tá cagando pro que os outros pensam, e tá feliz - mesmo que não devsse -. Já a desesperada, não. Tá desesperada, afinal, né?

Mas, pensando no desastre ambiental que poderia ter sido a nossa primeira conversa depois do primeiro encontro - que não foi um encontro, mas um encontrão mesmo, no meio daquele corredor do trabalho, de frente pra escada-, acho que eu até consegui disfarçar bem. Você tava nervosérrima, lembra? E, mesmo assim, consegui recuperar algumas das minhas piadas perdidas nos alôs iniciais, e até a minha risada sexy-mulher-controlada voltou.

Depois dessa ligação, quando eu estava em casa, uns dias depois, sentada naquela bendita poltrona, do lado daquele bendito telefone, ele me manda uma mensagem. Ahá! Acabei de achar a primeira inveção da modernidade que ajuda os relacionamentos: a mensagem de texto! Afinal, você pode levar quanto tempo quiser - não muito - para respondê-la, sem se preocupar em gaguejar ou falar alguma coisa errada. O único problema é que alguns celulares simplesmente ignoram acentos, todos eles, e fazem você parecer uma analfabeta, né? Pelo menos todos sabem que isso acontece.

A resposta da mensagem? Depois de horas procurando um jogo de palavras perfeito, com a informação perfeita, pontuação, concordância e regência impecáveis, eu mandei qualquer merda que veio à minha cabeça cansada de uma dia de trabalho, mas reavivada por aquele sinal de vida inesperado.

Se bem que ele podia ter resolvido dar esse sinal de vida naquele dia da topada, né? Pelo menos eu não estaria com uma cabeçorra branca no meu pé, que mais parece um OB aberto, enrolado no meu dedinho...

Mas vai valer a pena, Priscila. Mesmo que essa pena seja sonhar mais do que viver, ao menos por enquanto. E, mesmo assim, a gente pode inverter esse final fatídico de uma começo-não-começado. Até porque você é uma mulher decidida, e vai fazer o que possível for pra ter ele pra você, certo?!

Ah, não: auto-ajuda de revista de novo, não!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Monólogo de Dois

Pára com essa neurose toda, menina! Você é uma mulher madura, experiente com a vida e que conhece o lugar onde pisa, certo? Ai, mas que idiota que eu sou: tentando me convencer de coisas que nem eu mesma sei se quero acreditar. O que me importa, agora, é que eu tenho de parar com essa mania irritante de ficar reparando em tudo que ele faz, diz ou parece querer dizer. Ele ter mexido o dedo não quer dizer que ele queria se casar. Ele ter sorrido um sorriso diferente não quer dizer que ele mais feliz comigo do que com outra. Todas essas teorias, que essas mulheres babacas, como eu, passam horas usando, não servem para absolutamente nada, a não ser para nos deixar mais inseguras e incertas ainda.

Genial conclusão! Parabéns! Agora só falta você se levantar dessa poltrona – que já deve estar cansada de ouvir as suas reclamações – e fingir que nunca inventaram telefone, e que não há nenhum meio de comunicação que vocês possam usar pra dizer um ‘oi’. Vamos? Então tá. Ih, mas e se ele resolver ligar agora? E se, nesse exato minuto em que eu encostar a primeira célula do meu primeiro dedo do pé nesse chão gelado, ele começar a digitar o número da minha casa? Ora, se isso acontecer, eu dou um tempo – fazer um charme nunca é demais – e atendo, fazendo uma voz blasé de quem estava lendo um livro do Nietzsche. Mas você não acabou de se comprometer a esquecer essas teorias idiotas, que aquelas revistas, ainda mais idiotas, enfiam na nossa cabeça? Age de acordo com o que você pensa, ora! É a vantagem de ser humana, não? Ou seria a desvantagem?

Tá bom. Vou até a cozinha, pegar um iogurte zero calorias que não mata a fome nem de uma anoréxica de dieta, vou fingir que estou me deliciando com seu sabor e cremosidade, e vou me convencer de que, naquele pote, tinha vindo um Big Mac. Mas vou andando bem devagar, para que correr? [...] Droga, não consegui controlar minhas pernas, corri igual a uma maratonista, dei uma topada na geladeira, quebrei a gaveta de talheres, e ainda derrubei o pote daquele iogurte horroroso no chão! E pra que mesmo? Pra esse telefone maldito não tocar! Plena sexta-feira à noite, eu em casa, sendo obrigada a assistir a essa múmia almada, chamada Sérgio Chapelin, apresentando um programa chatíssimo que fala sobre os bichos do pantanal mato-grossense? Aqui, ô meu senhor, não existe nenhum veado aí, não? Ah, porque aqui, nessa cidade, tem pra dar e vender!

[...]

Sentada, na mesma poltrona, mas agora com o dedinho roxo do encontro com a geladeira. Bom... Excelente! Que mulher madura e experiente era você, mesmo? Vai fazer alguma coisa que preste, menina! Sei lá, vai ler aquele Nietzsche complexado e na encolha, vai! É mais útil do que ficar aqui, sem faze... (Trim! Trim!) Alô? (voz rouca, tossi logo depois, por causa de uma parte mais dura do iogurte que fica presa na minha garganta).

[...]

Ótimo, mas por que raios eu iria querer mais um cartão de crédito? Me diz, por favor! Tem como comprar vergonha na cara pra homens? Se der, me vê logo umas trezentas, um pra cada futuro relacionamento superficial e efêmero que eu vá ter!

Cansei dessa brincadeira. Perdeu toda a graça! Nem raciocinando mais eu estou direito. Vou praquela cama, sozinha, rodeada por meus travesseiros pra coluna que destroem meu pescoço, e por aquele edredom que esquenta no calor, e esfria no frio. Ah, que bom deitar. Por que eu não vim antes, não é mesmo? Poderia ter dormido muito mais!

Vamos dormir, né? Huuuum...

Mas e se ele me liga logo agora?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Derivações Impróprias

Morro de calor.
Morro de saudades.
Morro com a frieza de gente.
Já morri de amor.

Vivo de alegrias.
Vivi de tristezas.
Vivo a vida.

Morro de ciúme.
Morro de inveja branca.
Morro de inveja negra.
Morro de preguiça de ser

Morro.
Um morro de sentimentos.

E, ainda assim, vivo.
Mesmo morrendo pelos caminhos.