domingo, 12 de julho de 2009

Monólogo de Dois - Parte XXII

Sabe aqueles dias em que você não tem mesmo nada pra fazer e, por benção dos céus, nem queria ter mesmo? Então, é nesses dias em que adoro fazer nada comigo mesma, mas sempre acompanhada de um filme bem pão-do-dia-anterior. Adoro ver filmes que eu já vi antes, seja há milênios – isso inclui todos, eu disse TODOS, os filmes da Disney –, ou alguns outros que eu vi, pela última vez, no mês passado. Ontem, lá pela madrugada, depois de me irritar mais uma vez com a originalidade de Roberto Carlos, em seu 50o (ou seria 500o?) ano de carreira, me deparei com um filme brasileirinho que eu adoro. Nada daqueles filmes que retratam o terror da Ditadura Militar, não. Um bem bobinho, mas que, lá pela quarta ou quinta vez que você assiste, passa mensagens diferentes: A Dona da História. À primeira vista, assim como um amor avassalador – ou melhor, uma paixão avassaladora -, ele não transmite muita coisa concreta, não. Mas, depois de conhecer melhor aquele amor louco, passa a vê-lo com outros olhos, não é? Dessa vez, então, demorei muito pra dormir, inclusive, não por causa do Rodrigo Santoro. Tá, não SÓ por causa do Santoro, mas pelo que o filme me fez pensar: quem é, afinal das contas e das cenas, a protagonista da sua vida?

É evidente que, de supetão, todo mundo insiste e quer acreditar que a resposta “Eu sou!” é a mais realista e cabível. Convenhamos que ela é a mais confortável de se dizer pra si mesma. As pessoas têm essa mania que, dependendo do grau, é quase autodestrutiva: você não precisa ser a Helena das Páginas da sua Vida o tempo todo, benzinho. É mais do que aceitável – e, até mesmo, recomendável – que a protagonista se enfie atrás das câmeras por algumas cenas, sim, deixando que o roteiro faça o seu papel por um ou dois cortes do diretor. Falando nele, quem é o diretor mesmo? Aí que vem a questão. Helenas, se preparem: vocês, além de serem as respectivas, são também o Manoel Carlos e, principalmente, um Boninho da sua vida.

Você não precisa estar sempre no foco da iluminação, com aqueles holofotes te cegando a córnea e torrando o couro cabeludo da peruca. Tem, antes de qualquer coisa, que conseguir justamente o controle das cenas, sejam elas protagonizadas por você ou não. Quando eu falo de controle, não falo só de planejamento. Nada de dar uma de Monica Geller e começar a arrumar tudo nos mínimos detalhes, mas saber arrumar tudo, quando os mínimos e os máximos detalhes estiverem uma grande bagunça. Esse é o papel do diretor. Conseguir organizar as cenas, colocar os atores na ordem certa, no momento adequado, com a voz melhor selecionada. Com o figurino escolhido e o texto, na ponta da língua. Se não der muito certo, bem ou mal, tem o que a gente chama de edição, né? Mas, na vida, será que dá pra editar o que já aconteceu?

Olha, eu, Priscila, solteira convicta e deprimida, alguns anos de vida, vencedora de incontáveis Oscars pela minha brilhante direção sobre a minha vida (categoria que, aliás, deveria ser inventada e instituída às pressas), posso te afirmar, caro pupilo, com toda certeza: não é tão simples editar uma vida quanto um filme. Apagar o que aconteceu, mesmo que se tente muito, simplesmente não dá. É tão simples, que fica complicado. O que a gente pode fazer mesmo, e eu acho que deva, é colocar as cenas mal desenroladas numa caixa, lá no fundo; cedo ou tarde, eles vão ser úteis, mesmo que a gente não queria ou não perceba. Nessa edição, não há cortes nem exclusões. Tudo é reaproveitado.

Mas e o final desse filme todo? Será que vai ter aquele beijo suculento, pelas barbas do Rod Santoro, numa rua clássica de Ipanema, ao som da Luciana Mello? Será que os espectadores, figurantes e atores secundários vão aplaudir de pé o seu roteiro, autoria, direção e atuação? Sabe o que o mais? Pouco importa o que os outros pesaram, pensam, ou vão pensar o seu filme. Afinal, amada, ele é SEU.

O que realmente importa é se você, quando olhar pra trás e vir algumas cenas prontas e devidamente editadas, vai querer, naqueles dias em que você não tem mesmo nada pra fazer e, por benção dos céus, nem queria ter mesmo, assistir ao seu filme pela milésima vez e tê-lo como sua companhia.