sábado, 22 de agosto de 2009

Monólogo de Dois - Parte XXIV

Todos os dias, é basicamente a mesma coisa. A gente acorda, lava essa cara mal lavada que Deus nos deu, mergulha numa bacia de café extra forte e nada virgem e começa a deixar que a bendita agenda nos programe. Tudo milimetricamente programado pra que possa aproveitar ao máximo o seu dia, não necessariamente com um sentido positivo. Afinal, trabalho, contas, engarrafamentos, flanelinhas, banheiros sem papel higiênico e barriga grande (no seu corpo ou não) existem, né? A gente tenta e, com o tempo, consegue se organizar ao máximo, pra evitar que o mínimo de erros previstos e imprevistos aconteça. Até com os nossos futuros possíveis relacionamentos é assim. É bem capaz que, daqui a um tempo, eu tenha um anexo na minha super agenda eletrônica – da qual eu sei usar uma opção das milhões que vêm nela – o perfil do cara perfeito. Alto, mas nem tanto, até porque é bom alcançar a boca dele, de vez em quando. Simpático, mas não efusivo e indiscreto. Inteligente, mas não irritantemente genial, afinal, ninguém quer ficar ouvindo sobre Nietzsche ou a patologia do H1N1 numa mesa de bar. E a lista não tem fim. Mas, como se trata de uma vida e não de um livro de romance daqueles que vendem em bancas de jornal, nem sempre, aliás, quase nunca, o cara previsto e desejado – sabe-se lá por quê – aparece. Inclusive, é bem capaz que, nessa página da sua agenda, tudo dê errado e apareça um cara que, apesar de não preencher quase nenhum dos seus requisitos, preenche a sua cabeça e, quem sabe, o seu coração, quando você tá sentada numa privada sem papel higiênico, ou quando tá presa em um engarrafamento quilométrico. E aí? Rasga aquele anexo, bem.

Comigo, isso acontece direto. Ou até menos do que eu queria que acontecesse. Muitas mulheres, assim como você, minha cara Pri-Pri, planejam o cara perfeito, no encontro perfeito, no lugar perfeito, tudo no pretérito mais-que-perfeito. Imagina, sonha, ri de você mesma, mas continua achando que aquele perfil se encaixa perfeitamente com o seu. O problema é que, na maioria dos casos, você não sabe o que é o seu perfil, nesse quesito tão nublado que são os relacionamentos. Não que falte autoconhecimento. Na verdade, deve faltar mesmo noção de que você pode ir muito mais além do que pensa ou prevê.

Você não é nenhum vidente da vida pra saber o que vai te acontecer, na próxima vez em que, depois de uma noitada pra qual você se emperequetou toda, quase pra ir à premiação do Oscar, achando que iria achar O homem perfeito, e acaba conhecendo um não-tão-perfeito assim comendo um salgado bem gordurento – nada coerente com a sua roupa – depois da boate. Essas coisas acontecem mesmo. Graças a alguém, seja ele o cosmos ou Deus.

O problema é quando você se agarra naquele bendito estereotipo que acha, ACHA, que seria sua alma e corpo gêmeos e não se desgruda nem por um decreto papal. Começa, então, a se sabotar, voluntária e propositalmente, evitando enxergar o que um outro, nada cabível na sua lista de exigências, pode acrescentar a ela. O que eu tenho percebido, mesmo, é que esses são os mais interessantes e os mais surpreendentes.

Aceita, afinal das contas (de bar e boate), que aquele rapaz possa até ter uma chance com a sua linda e solteira pessoa. Reluta e se segura, no começo, achando que pode ir contra a maré do coração. Aliás, a maré das sensações, porque, bem ou mal, lá pelo início da coisa, você ainda não tá apaixonada, né? (Depois de tantas caras e corações quebrados, não é possível que você não tenha aprendido nada!). É, na verdade, uma maré de sensações, sim, porque ela vai além dos sentimentos, apenas. Vai mais pro campo dos sentidos, os cinco ou mais, incluindo o sexto e sua eventual inutilidade.

Nesse choque que é conhecer a imperfeição perfeita, em forma de homem, você acaba não rasgando a sua página da agenda, mas adicionando, a ela, novos tópicos de possíveis perfis. Sim, continua definindo o cara ideal, mesmo depois de ver que a última versão dele caiu por água. Não tem jeito. A gente tem medo da insegurança e da instabilidade. Justamente por isso, quer planejar tudo, inclusive quando será o primeiro beijo, a primeira transa, o primeiro orgasmo, a primeira viagem; mas se esquece de que, primeiro, vem exatamente a não previsibilidade total das coisas. E, nisso tudo, você vê que tem muito mais chances por aí afora do que aquele Cauã Raymond que você jurava que iria achar.

O pior, mesmo é quando o tal cara que não deveria aparecer se mistura com a sua vida profissional, familiar, conjugal - sonha, querida. sonha-. Aí, deu-se tudo: nada mais naquela sua maravilhosa super high-tech agenda serve, bem. Joga ela fora e compra uma de papel mesmo!

(Mas tira a página do perfil antes, tá? Nunca se sabe).

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Monólogo de Dois - Parte XXIII

Minha mãe adora fazer. Minha avó, então, aprendeu com a minha bisa e trouxe como herança pra todos os netos, netas, sobrinhos-netos, sobrinhas-netas e agregados. Minhas amigas preferem fazer isso a ir ao cinema, como hobby. Na verdade, mesmo, todo mundo faz! Não tem jeito. Alguns assumem e dão a cara a tapas. Outros preferem disfarçar essa característica inerente ao ser humano, na eterna busca idiota pela perfeição inexistente. Não. O tópico não é sexo, Priscila. Eu sei que ele virou um problema pra você, justamente pela sua falta, mas vamos ao foco da reflexão. Foco! O que todo mundo faz? Falar mal dos outros. E haja agulhas de tricô.

Gente, por favor, sem extremismos, tá? Qualquer pessoa nesse mundão de meu Deus já falou, fala ou vai falar mal de alguém. Todos nós temos as nossas características próprias e que são, várias vezes, diferentes das dos outros. É mega normal, justamente porque diferença, por vezes, causa desconforto, não tem jeito. É a velha lei do Narciso, né? “O que não me é semelhante me é estranho”. Gente, que que eu fumei hoje, além das milhões de carteiras da Carlton? Tô tão filosófica.

Ah, mas essa filosofia acaba na hora, quando começa a malhação. Quem dera que ela fosse de glúteos, bíceps e tríceps, querida. É da vida alheia mesmo. Eu sou uma grande suspeita pra falar. Adoro criticar. Tudo e todos. É de fato o meu passatempo mais praticado. [...] Gente, você assume isso como quem ganha uma medalha de honra ao mérito, por ter reencontrado o dedo perdido do Lula, né? Não. Não tenho orgulho de ser assim. Mas acho, realmente, que a supercrítica faz parte da minha essência, sabe? Não é só em relação aos outros – e, amada, nisso eu sou boa -, mas o pior: muito em relação a mim, principalmente.

Todo mundo que é um pouquinho venenoso com a vida alheia tem, por trás dessa pose toda de autossuficiência, um grande e gritante recalque. Sim, sim, nem adianta tentar suavizar a realidade pra você mesma, querida. Já bastam os quilos de maquiagem que fazem isso todos os dias. O pior problema de quem é muito crítico é exatamente criticar a si mesmo! E, a partir disso, vem aquele velho problema: a não-aceitação.

Aí, meu bem, tudo se desenrola. Por trás daquela máscara de comentários afiados, é bem provável que tenha uma faca, bem afiada também, que machuca o crítico a cada vez que ele se olha no espelho, literalmente, ou quando ele vê a realidade refletida nos pensamentos. E é exatamente por isso tudo que ele mete o pau nos outros (mas sexo de novo?): quando ele fala mal de fulano e beltrano, desvia a atenção dos seus próprios defeitos. Defeitos esses que, se fossem avaliados por aqueles críticos que os têm, seriam destruídos com comentários. Isso mesmo: muitas vezes, a gente fala mal dos defeitos dos outros justamente por não aceitar que nós mesmos também tenhamos esses problemas.

Hipócrita? Não necessariamente. Há casos e mais casos, com detalhes e mais detalhes. Não dá pra generalizar, né? Nesse caso, só o Doctor Phill e Márcia Godlschmidt pra resolver essas pinimbas todas.

Meu Deus, que nojo de você mesma! Usando Márcia na sua reflexão? Aquela pretensa psicóloga moralista, que baseia a sua profissão em dar conselhos a pobres pessoas que ainda confiam na sua – falta de – capacidade pra palpitar sobre a vida alheia e que ainda é aplaudida por uma platéia de donas-de-casa que deixaram a panela no fogo só pra assistir ao guru dos desesperados sem TV a cabo?

[...]

Não disse? Acho que é genético.