sábado, 20 de março de 2010

Monólogo de Dois - Parte XXXIV

Sabe quando você tão feliz, mas tão feliz, que até se esquece, às vezes, de que é mesmo a sua vida? Ou seja, sendo a sua vida, que coisas ruins também acontecem? Esse lapso é muito raro, diga-se de passagem: conseguir uma fase em que as coisas, apesar de também darem errado, parecem que se compensam; a parte não muito legal acaba ficando suavizada, quase apagada, em alguns casos, pela parte boa. Pela parte que, até então, parecia excelente. Boa demais pra ser verdade. Aí está o problema, minha cara. Será que tudo aquilo era verdade mesmo?

Nessa felicidade toda, que a consome a ponto de você nem se lembrar das infelicidades, tem uma rapaz. Um homem. Uma pessoa que traz não a própria felicidade, mas que te mostra, por ser quem é, o caminho pra tentar alcançá-la. Mesmo que possa parecer responsabilidade demais pra um ser humano só, esse homem parece ter a capacidade suprahumana de fazer o impossível, de acordo com todos os seus pessimismos e racionalismos. Impressiona. Empolga. Deixa leve como uma pluma, que voa, voa, sem rumo nem direito. Pena que, inevitavelmente, ela se choca em algum obstáculo.

Sendo um entrave normal na vida de todos, até que dá pra entender e combater, querendo voltar a voar de novo. Mas e quando esse baque que te bate já aconteceu, uma vez? E se toda essa sua felicidade só veio depois de muito ter batalhado contra esse problema que, do nada, vem e te arrebate na face?

A gente chega a pensar se essa felicidade era real. Chega a pensar que, se é real, se vale a pena. Apesar de todos sabermos que, quanto maior é o amor, maior é o sofrimento, eu me pergunto: de que sofrimento se fala? Das dores normais que envolvem um sentimento tão grande? Ou de outras, que parecem não ter espaço, nem sentido, vindas de alguém que te jura amor eterno? Nenhuma dor faz sentido, para aqueles que a sentem. Nenhum machucado é compreensível, pra quem foi ferido. Mesmo assim, algumas vezes, por maturidade, amor e tudo mais, a gente consegue relativizar as coisas, pensando que fazem parte do convívio a dois. Até passam e viram fontes de força e superação. É. Em alguns casos, é assim. Em outros...

Em outros, a gente para e olha à nossa volta: faz uma recapitulação geral do que aconteceu, do que já tem acontecido e pensa. Pensa se, dessa vez, essa dor toda vai ter alguma função, além de apenas machucar. E muito.

As perguntas não param, nem a sua cabeça, em chamas e cinzas: que fiz eu para merecer isso? Fiz mal a alguém? Fui escrota, egoísta, maluca? Não. Não. Maluca, às vezes, mas quem não é? Por que logo comigo? Por que logo com a gente? Nossa, tava tudo tão legal, tão bacana, tão... Quase perfeito! Vai ver que tá aí a resposta pra várias questões. Será que, quando alguma coisa parece estar quase sem defeito nenhum, é hora de olhar com mais cuidado e ver o que tá acontecendo? Eu me recuso a acreditar que ter um relacionamento estável, saudável e bom, de verdade, não possa ser possível. Não consigo aceitar que as merdas vão acontecer, cedo ou tarde, e que você não vai, nunca, nunca, ficar bem, mesmo, por um tempo considerável. É muito realista pra fazer valer a pena a gente tentar.

E, mesmo com isso tudo tendo acontecido e com todas essas reflexões, eu me sinto o elemento mais irracional do universo: vou e caio em tentação. Vou e faço a mesma coisa que eu sempre reprimi nos outros. Vou e acabo não me valorizo como deveria. Não que eu tenha um valor inestimável e imensurável, mas, se eu não me preservar, quem vai? Esse cara que não, pelo visto.

Depois de todo o carinho, todo amor, quem foi que deu o direito, a quem quer que seja, de me machucar? Quem permitiu que fizessem mal a mim? Eu não permiti, pelo menos não em consciência. Sempre soube que relacionamentos envolvem partes difíceis, mas nunca admiti que alguém, mesmo nessas fases, me machucasse. Não posso deixar que alguém traga mal a mim, ainda mais quando tudo que foi trazer só bem a ele.

Depois de tudo, infelizmente, essa maldita cabeça questiona de tudo valeu a pena. Pergunta, de mim pra mim mesma, se ter feito das tripas coração, sempre buscando o melhor, foi a melhor coisa, pros dois. Questiona, de novo, se foi compensável, ainda mais depois que fizeram seu coração de tripas.

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