quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Monólogo de Dois - Parte V

Ai, gente, mas me diz uma coisa? Por que a minha vida tem que ser tudo, menos fácil? Tá, eu sei que a vida de ninguém é fácil, mas a minha? Ah, é pior do que a de todo mundo nessa mundo. É, sim, tá? Pára com essa mania de ficar polindo as suas reclamações e reduzindo os seus problemas a uma escolha de roupa, Priscila! Os seus problemas são, sim, grandes, mesmo que muitos deles se resumam a escolher o que vestir. E isso é um problemão, sim, ok? Sabe aquela vontade que dá de sair da sua própria vida, e poder olhar pra ela como uma tabuleiro? Então, assim, você poderia pegar as pecinhas que a compõem, e colocar onde bem entendesse! Ah, que perfeito seria, né? Se bem que escolher onde colocar as pessoas não deve ser uma tarefa muito fácil, mas de uma decisão eu tenho certeza: definitivamente, não iria me envolver com ninguém do meu trabalho.

Ah, cara, eu sei que tem a parte boa: você trabalhando com alguém que o atraia, é vantajoso, porque a gente se encontra sempre, né? O problema, minha amiga, é que tem dias em que você não tá com o MENOR saco pra se arrumar: tem vontade de acordar, prender essa juba leonina que, depois de muito trabalho, vira um cabelo; botar uma calça de moletom, um par de meias velhas, umas havaianas e pronto! Nem uma gota de base sequer! Aí, sim, complica: gente, o que foi aquela minha roupa essa semana? Ele deve ter me achado patética: uma camisa um pouco larga, mas meio justa, listrada, com uma calça meio apertada, mas larga também, e um casaco nada apertado! Mais uma vez, eu tentei parecer descolada, mas eu acho que fiquei mais pra deslocada. Enfim, como se isso tudo já me bastasse, ele é meu chefe. Não é O chefe – até porque, se fosse, eu já teria me atirado pra cima dele há muito tempo... -, mas é superior, nem que seja no tamanho!

Foi quando a gente se esbarrou de manhã: eu, com uma cara ótima de quem tinha acordado às cinco horas da matina, e ele, com cara de quem tinha acordado horas mais tarde, porque pode. O que me deixa mais agoniada é que a gente combinou que não iria falar pra muita gente do trabalho do nosso namoro/rolo/nada-disso. É óbvio que eu não me agüentei, e contei pra algumas amigas minhas, né? Afinal, o que é uma mulher sem as amigas? O pior: o que é uma mulher com amigas, mas amigas que não podem saber de alguma coisa que está abalando a vida dessa mulher, do começo da história, que tem aquelas amigas, do final da história? (Confusa, Priscila.) Elas são as partes que faltam em mim: a corajosa e esperançosa e a realista e calculista. Só sei que elas duas, agora, estão incentivando a coisa a dar certo.

E você realmente acha que ele não contou pra nenhum amigo do escritório dele? Conheço bem essa raça, minha filha: homem é homem – e que homem é aquele, hein?-. Eu já percebi a cara que alguns dos amigos dele fazem, quando me vêem. - sabe aquele sorrisinho que diz: eu sei o que você fez no sábado passado? Então, é o que eles usam pra me cumprimentar. - Mas eu até gosto, sabia? Pelo menos o nosso relacionamento-não-iniciado toma um caráter mais real, né? Assim, eu posso... É: eu posso me envolver mais ainda. Excelente, Priscila. Excelente!

No esbarrão, foi somente um bom-dia normal. Mentira! Não que a gente tenha se agarrado, mas os olhares, ah, os olhares fizeram daquela bom-dia de pão velho um bom-dia de um baguete france fresquinha, que acabou de sair numa padaria colonial linda, à beira da Torre Eiffel. (Hum, mas você tá ficando cada dia melhor nisso, hein? Cafona do ano, nas metáforas: babaca!) Enfim, os olhares até me animaram a correr no banheiro e botar algum pó nessa cara que não vê sol há meses. Foi cada um pro seu canto, cada um fazer o seu trabalho, como se eu conseguisse ficar mais de três minutos sem pensar nele, né? Até um desenho eu fiz, senhor! Um desenho! Priscila, queridinha, você não tá mais no primeiro ano, ok? Acorda! [...] Mas ficou fofo.

Até que eu resolvo dar uma volta pelos corredores... Estava de saco cheio de ficar sentada naquela cadeira, mesmo! Esse povo da minha sala passa o tempo todo desfilando corredor afora, só falta uma roupa e uma passarela. E, óbvio, aquelas barangas emagrecerem horrores, né? Lá fui eu, cantarolando comigo mesmo a música, a nossa música que eu inventei que é nossa! (primeiro ano, FATO!). Dei uns dois passos, e quando eu iria dar o terceiro, dei de cara com ele! (Eu dei tudo, né? Menos o que eu queria. Menina, que horror!). Dei de cara com ele, e parei! Parei, e sorri. Sorri, e me odiei pro resto da vida: idiota! Mas por que tem que falar merda, menina? Não consegue ficar com essa boca grande fechada? Ele estava indo pegar o elevador, mas eu resolvi ir pelas escadas: era melhor, porque eu não duvido nada de eu agarrar ele, no meio do elevador.

Cada degrau era um xingamento diferente de mim pra mim mesmo: fui da babaca à piranha desesperada – sim, eu sou as duas ao mesmo tempo!-. Resolvi dar uma volta pela rua, pra espairecer, quando eu passei pela padaria. Você sabe que, mesmo depois de ter acabado de comer uma boiada inteira de picanha, se eu vejo comida, eu como! Pra quê?

Dei de cara – de novo – com uma baguete francesa fresquinha! É: nem pão eu posso comer mais! Pelo menos eu perco peso.

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